sábado, 17 de outubro de 2009


Educação Ambiental

Narrativa de um educando


“A luta pela preservação do Cerrado Campineiro”



Aconteceu que me envolvi nesta história por haver terminado de participar do processo de formação de Educadores ambientais populares – COEDUCA -, o que resultou internamente numa potencialização de valores como cidadania, responsabilidade ambiental, cultural e com comunidades aprendentes. Isto porque após todo um longo trabalho por 18 meses, aprendemos mais do que teorias. Na busca de um diagnóstico socioambiental, desenvolvemos um novo olhar para nossa cidade - o olhar pela ótica de seu povo -. Seus quereres, sonhos, medos, expectativas, tradições.
E este método baseado entre outros conceitos na Pedagogia da Práxis, foi parte do Profea (Programa Nacional de Formação de Educadores Ambientais), por um Brasil educado e educando ambientalmente para a “sustentabilidade”. Termos como Justiça Ambiental, Pertencimento, o Saber Ambiental, Emancipação, Território, etc., foram exaustivamente dialogados entre os educandos e educadores durante processo de formação dos Coletivos Educadores Ambientais de Campinas.
Andei pela cidade, descobri com meus colegas de coletivo naquela que acreditávamos ser a Macrozona 5, tesouros incontáveis. A Mata Bela Aliança é um deles. O Cerrado do bairro Itajaí, outro. E foi aí que começaram as tristezas e preocupações.
Encantados com o cerrado campineiro descobrimos nele (eu e meu amigo Marcão, Pap4, no processo Coeduca) espécies raras, como o pequi que pensávamos já extinto em nossa região. Ao som do canto da fogo-apagou, da seriema, do tico-tico do campo, do sabiá laranjeira, fomos entrando cerrado a dentro e fotografando tudo que podíamos. Pudemos verificar como o processo de urbanização e de especulação imobiliária vem devastando o bioma cerrado nesta região, sem respeito algum ao meio ambiente, inclusive com locais de mananciais importantes para a Bacia do Rio Capivari, já bastante impactados e sem proteção de matas ciliares...
Foi já na segunda fase do Coeduca – pós formação – quando o Coletivo acabou se identificando como um único grande coletivo através da dinâmica da Teia, traçada pelas interrelações dos coeducandos esparramados pelas diferentes macrozonas da cidade, mas articulados de alguma forma entre si, que os acontecimentos se precipitaram em relação à ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos. Como faço parte de um coletivo interdisciplinar e com membros das mais variadas facetas da sociedade, me chegaram muitas notícias e convites para participar de diálogos sobre assunto de tão grande relevância para a cidade, onde toda a população da região metropolitana de Campinas será afetada de forma direta ou indireta por este pretenso mega-empreendimento. E um destes convites me foi enviado pelo Condema (Conselho do Meio Ambiente) e como Educadora Ambiental que acredita na responsabilidade ambiental de todos e em nossos sentimentos de pertencer a um território que gera uma cidadania ativa, prontamente compareci.
Nesta reunião acabei por conhecer duas pessoas da comunidade atingida pela desapropriação, hoje minhas grandes amigas, Eliza Novak e Dinorá (presidente da Associação de Bairros no entorno de Viracopos). E ouvi suas falas emocionadas. São moradoras em pequenas chácaras de 3.000 m², onde levam uma vida rural e simples, porém com muita qualidade e sustentabilidade. Eliza possui umas vaquinhas de leite e um touro nelori manso como um cachorrinho, de nome Bebê ( que hoje está misteriosamente desaparecido). Dinorá possui grande liderança na região, inclusive com seus vizinhos do outro lado da pista (os antigos atormentados pelo fantasma da desapropriação) – no Campo Belo. Ela sempre cuidou até da vacinação da criançada, na própria sede da associação, que fica em sua casa mesmo. Tem fotos dela junto com nosso querido prefeito Antonio da Costa Santos enfeitando paredes. Há relatos de que ele adorava o lugar. O que é perfeitamente compreensível, pois como grande arquiteto urbanista que foi, vislumbrava o patrimônio histórico e cultural, bem como o potencial ambiental que esta região representa para toda Campinas. Tive o privilégio de conhecer estas comunidades porque no encontro com Eliza e Dinorá, na reunião em que estive presente do Condema, imediatamente perguntei se poderia ir conhecer suas chácaras e elas aceitaram de pronto. Sem me conhecerem, foram guias turísticos de uma generosidade e paciência com meu deslumbramento ambientalista, exacerbado diante de tanta e inesperada beleza. Caminhamos pelas florestas. Pisamos nas águas do Rio Capivari-mirim, ainda transparentes e correndo em seu leito natural de pedras. Na mata de transição, com imensos jequitibás e jatobás, bem fechada como todo bom e saudável fragmento de Mata Atlântica, de repente o sol começa a clarear mais entre as árvores que vão se distanciando aos poucos e você está dentro do bioma cerrado. Uma lebre passa feito relâmpago à nossa frente. Fotografar, nem pensar. Ela é muito rápida no seu pular de lebre por entre a vegetação de gramíneas, herbáceas, arbustos e árvores tortas deste lindo remanescente do cerrado campineiro. O mesmo que corre o risco de ser suprimido e soterrado junto com suas nascentes, riachos, ribeirões, rios, lagos, represas, lagoas... agora na primavera, as lobeiras estão carregadas de fruta do lobo – do lobo Guará, que anda por lá. Jaguatirica também aparece à noite, assaltando galinheiros. O povo faz vista grossa. Eles tem galinhas e pintinhos demais, patos demais, marrecos, perus. A seriema passeia no quintal da Eliza. Um casal de coruja Canindé anã mora no pé de abacate, porque tem copa bem fechada e fica escurinho durante o dia. Perto dali passa o Riacho Viracopos - suas nascentes alimentando a terra com águas vindas do interior da mesma terra - sons de cachoeiras. Nos campos cerrados muitos buracos da coruja buraqueira (Athene cunicularia), que voa de dia e que voa de noite. Em homenagem a esta ave abundante no cerrado Viracopos, os ambientalistas de Campinas fundaram um grupo em defesa deste bioma e das populações e comunidades tradicionais existentes na região da ampliação, o MOVER – Movimento Viracopos Ético e Responsável – que tem como símbolo a coruja buraqueira.
O Mover é um coletivo que se formou espontaneamente por membros da sociedade civil, de ONGs da região, conselhos e moradores proprietários ou não de terras desapropriadas. Começou pequeno, mas a nós já se agruparam alguns partidos políticos e alguns políticos – vereadores de Campinas e das outras cidades da RMC, além de alguns amigos Educadores Ambientais. Graças a este movimento ambientalista, o EIA/RIMA apresentado pela Infraero em audiência pública na Câmara de Vereadores de Campinas – na época, apenas para cumprimento às leis – agora está em processo de reavaliação dos graves impactos negativos e o início das obras foi adiado para 2011, devido às dificuldades na obtenção do licenciamento ambiental.
É um exemplo de mobilização da sociedade civil organizada, com base no socioambientalismo, na justiça ambiental para a preservação dos direitos humanos à sustentabilidade de seu território.
Na visão da Educação Ambiental caracteriza-se na concepção de Comunidades de Aprendizagem e Qualidade de Vida (“São lugares de emancipação cuja medida é o surgimento de práticas solidárias(Boaventura de Souza Santos, 2000) – A plena realização das Comunidades de Aprendizagem e Qualidade de Vida contribui para a descolonização do Futuro, para a superação do “Utopismo automático da tecnologia”, para o resgate da comunidade como base da emancipação e da significação das vidas humanas” – Profea, primeiro parágrafo – página 37).
Configura-se na visão da Educação Ambiental, que cita a necessidade das Comunidades não serem isoladas, pois sozinhas não possuem poder para mudarem aspectos macroeconômicos, fenômenos de alcance regional ou mundial que as influenciam. É papel da Educação Ambiental facilitar e potencializar a articulação das Comunidades, sempre numa perspectiva democrática e emancipatória. Uma articulação de Comunidades pode alcançar uma capacidade de transformação da realidade, também pelo desenvolvimento da intervenção coletiva (Profea – Série documentos técnicos – 7).

“ A descoberta mais importante dos dois últimos séculos é a de que estamos juntos num mesmo experimento frágil, vulnerável aos acontecimentos, ao julgamento equivocado, à visão estreita, à ganância e a má-fé. Apesar de separados em nações, tribos, religiões, etnias, línguas, culturas e políticas, nós estamos todos juntos numa aventura que se iniciou em épocas imemoriais, mas que no futuro não irá além da nossa capacidade de reconhecer que somos – como definiu um vez Aldo Leopold – membros e cidadãos plenos da comunidade biótica. Essa consciência tanto acarreta um imperativo como traz uma possibilidade. O imperativo é simplesmente que devemos dar toda a nossa atenção às condições e pré-requisitos ecológicos que sustentam todas as formas de vida.”( David W. Orr – Prólogo do livro “Alfabetização Ecológica” – Fritjof Capra e outros).






Dorinha Meres
Educadora Ambiental

Campinas, setembro/2009.




Bibliografia:
PROFEA - Programa Nacional de Formação de Educadoras(es) Ambientais
Série Documentos Técnicos – 7
Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental
Brasília/2006

CAPRA, Fritjof e outros – Alfabetização Ecológica
( Michael K. Stone e Zenobia Barlow, orgs.)
Editora Cultrix
São Paulo

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